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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Nem investimentos diminuem crimes



Mais investimentos e a contratação de mais policiais militares não têm dado resultados práticos na redução da criminalidade na Grande Cuiabá. De 2012 para cá, houve incremento de mais de R$ 300 milhões no orçamento anual da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) e, apesar da verba investida no setor, aumentaram os crimes, como mostram dados divulgados anualmente pela Polícia Civil.

No primeiro semestre deste ano foram 229 homicídios e, no mesmo período dos dois últimos anos foram registrados 178 (2011) e 161 (2012) assassinatos. Nos três últimos anos, os números de assassinatos foram quase semelhantes, entre 349 e 357, e não tiveram redução com o ingresso de mais 1.200 policiais militares em 2010.

Neste ano, existe a previsão da convocação de mais 600 aprovados no concurso feito no ano passado, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp). Esses novos PMs devem começar a atuar no ano que vem após treinamento na academia de polícia. A verba também teria sido usada para pagar os mais de 100 delegados de Polícia Civil, que começaram a trabalhar no ano passado, e os 110 peritos criminais.



Em 2012, o estado investiu mais de R$ 918 milhões em segurança pública. No ano seguinte foram R$ 1.117.046.562,00 e, neste ano, mais de R$ 1,2 bilhão no setor. Conforme a Sesp, a maior parte da verba de acréscimo está sendo aplicada no pagamento da folha de pessoal.

Na previsão do secretário de Segurança Pública, Alexandre Bustamante, o salário dos policiais militares em início de carreira deve chegar a R$ 5 mil no ano que vem. Em novembro, o salário dos PMs deve passar de R$ 2,3 mil para R$ 3,2 mil. Para ele, ter mais policiais nas ruas coibe a prática de crimes e citou, como exemplo, o município de Barra do Garças, a 516 km de Cuiabá., que possui, proporcionalmente, maior quantidade de policiais por habitantes.

No primeiro semestre deste ano, foi registrado um homicídio e, no segundo semestre, dois. Na avaliação do secretário, além da presença de policiais nas ruas, a cultura da população e a existência de poucas armas de fogo influenciam nos números.

Além do pagamento de pessoal, os R$ 300 milhões foram gastos na renovação da frota de carros usados pelas polícias Militar, Civil, Corpo de Bombeiros e Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec). No mês que vem, de acordo com Bustamante, serão entregues 790 veículos para substituir aqueles que já têm mais de dois anos de uso.

Apesar do alto índice de criminalidade, a segurança pública ainda não é priorizada como deveria, do ponto de vista do secretário. Ele argumenta sobre a necessidade de se dar mais importância ao setor. "A única área democrática é a segurança. É voltada para pobres e ricos. A saúde tem planos particulares e o cidadão não precisa se submeter a uma unidade pública de saúde com superlotação, assim como a educação. Os pais matriculam os filhos em escolas particulares e desafogam a educação", exemplificou. O secretário disse que há cidades brasileiras em que sobram vagas nas escolas públicas e faltam vagas nas unidades privadas.

O secretário alega não ter aumentado a criminalidade, mas a violência durante a prática dos crimes, como o latrocínio (roubo seguido de morte), por exemplo. "Eles [assaltantes] não pensam para matar, como aconteceu com o empresário morto na semana passada. Ele fez um movimento para pegar algo no bolso e o 'cara' atirou", disse, se referindo ao assassinato do empresário do ramo de produções artísticas, José Aparecido Bravo, durante um assalto à residência dele, na última quinta-feira (16) no Bairro Santa Cruz 2, em Cuiabá.

Ainda na avaliação dele, um dos maiores responsáveis pela violência não é a segurança pública, mas a legislação penal e o sistema prisional. Para ele, a legislação é branda e, com isso, os réus não são punidos à altura do crime cometido. Na prisão, também recebem tratamento 'melhor que muitos brasileiros' que não cometeram nenhum ilícito. "Eles fazem três refeições diárias, têm direito a banho de sol e à visitas íntimas. Tem muitos cidadãos trabalhadores que não fazem três refeições por dia", analisa.

Pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) encaminhada à Assembleia Legislativa de Mato Grosso pelo governador Silval Barbosa (PMDB) para aval dos deputados, a Secretaria de Segurança Pública deve receber R$ 1,3 bilhão para custear despesas em 2015.
Quase disputam o cadáver no chão sem analisar as causas da criminalidade "
Naldson Ramos, sociólogo, sobre o trabalho das polícias Militar e Civil

Para o sociólogo Naldson Ramos, que é coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o culpado por esse problema é o atual modelo de segurança que, na avaliação dele, 'já está morto e só precisa ser enterrado'. “Parece que estamos dando dois passos para frente e três para trás”, considerou, ao afirmar que a explicação para isso é o 'desatrelamento' do modelo de segurança pública às políticas sociais e a desarticulação das polícias e do sistema prisional.

“Temos várias polícias no Brasil que atuam em diferentes aspectos, sem cooperação técnica e científica. Quase disputam o cadáver estendido no chão, sem analisar as causas que está levando a esse fenômeno da criminalidade”, avaliou. Ele pontua ainda que é preciso deixar a vaidade de lado e pensar mais na sociedade. “Precisamos de polícia que faça a repressão, investigação, sem competição entre eles. A briga entre as carreiras vira uma disputa de vaidades que encarece a segurança pública e não gera resultados à sociedade”, declarou o sociólogo, estudioso no assunto.

Naldson Ramos afirma que a raiz do problema é a precariedade da educação e falta de assistência social por parte do governo. Após o cidadão entrar no 'mundo do crime', a impunidade colabora para que ele não tenha medo de agir na ilegalidade e ser preso. Na prisão, não é feita a ressocialização e, quando o reeducando deixa a cadeia, a tendência é retornar para lá.

O percentual de criminosos presos mais de uma vez é superior a 80%, segundo a Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso. Os dados de reincidência não são precisos, mas aproximados, como informou a assessoria da instituição com base em levantamento do Ministério da Justiça. No Brasil, metade dos presos é reincidente. Isso, conforme o sociólogo, comprova que o sistema prisional não funciona e não está contribuindo para a redução da criminalidade.

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